20 de jan. de 2009

A Casa


Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque na casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque penico
Não tinha ali
Mas era feita
Com muito esmero
Na Rua dos Bobos
Número Zero.

Vinicius de Moraes

O Mosquito


O mundo é tão esquisito:
Tem mosquito.

Por que, mosquito, por que
Eu . . . e você?

Você é o inseto
Mais indiscreto
Da Criação
Tocando fino
Seu violino
Na escuridão.

Tudo de mau
Você reúne
Mosquito pau
Que morde e zune.

Você gostaria
De passar o dia
Numa serraria —
Gostaria?

Pois você parece uma serraria!

Vinicius de Moraes

A Foca


Quer ver a foca
Ficar feliz?
É por uma bola
No seu nariz.

Quer ver a foca
Bater palminha?
É dar a ela
Uma sardinha.

Quer ver a foca
Fazer uma briga?
É espetar ela
Bem na barriga!

Vinícius de Moraes

As Abelhas


A AAAAAAAbelha mestra
E aaaaaaas abelhinhas
Estão tooooooodas prontinhas
Pra iiiiiiir para a festa.

Num zune que zune
Lá vão pro jardim
Brincar com a cravina
Valsar com o jasmim.

Da rosa pro cravo
Do cravo pra rosa
Da rosa pro favo
Volta pro cravo.

Venham ver como dão mel
As abelhinhas do céu!

Vinícius de Moraes

O Marimbondo


Marimbondo furibundo
Vai mordendo meio mundo
Cuidado com o marimbondo
Que esse bicho morde fundo!

— Eta bicho danado!

Marimbondô
De chocolat
Saia daqui
Sem me morder

Senão eu dou
Uma paulada
Bem na cabeça
De você.

— Eta bicho danado!

Marimbondo . . . nem te ligo!
Voou e veio me espiar bem na minha cara . . .

— Eta bicho danado!

Vinicius de Moraes

As Borboletas


Brancas
Azuis
Amarelas
E pretas
Brincam
Na luz
As belas
Borboletas

Borboletas brancas
São alegres e francas.

Borboletas azuis
Gostam muito de luz.

As amarelinhas
São tão bonitinhas!

E as pretas, então . . .
Oh, que escuridão!

Vinicius de Moraes

OBS.: Será que as duas últimas linhas são racistas?

O Gato


Com um lindo salto
Lesto e seguro
O gato passa
Do chão ao muro
Logo mudando
De opinião
Passa de novo
Do muro ao chão
E pega corre
Bem de mansinho
Atrás de um pobre
De um passarinho
Súbito, pára
Como assombrado
Depois dispara
Pula de lado
E quando tudo
Se lhe fatiga
Toma o seu banho
Passando a língua
Pela barriga.

Vinicius de Moraes

O Peru


Glu! Glu! Glu!
Abram alas pro Peru!

O Peru foi a passeio
Pensando que era pavão
Tico-tico riu-se tanto
Que morreu de congestão.

O Peru dança de roda
Numa roda de carvão
Quando acaba fica tonto
De quase cair no chão.

O Peru se viu um dia
Nas águas do ribeirão
Foi-se olhando foi dizendo
Que beleza de pavão!

Glu! Glu! Glu!
Abram alas pro Peru!

Vinicius de Moraes

A Galinha-D'Angola


Coitada
Da galinha-
D'Angola
Não anda
Regulando
Da bola
Não pára
De comer
A matraca
E vive
A reclamar
Que está fraca:

— "Tou fraca! Tou fraca!"

Vinícius de Moraes

A Cachorrinha


Mas que amor de cachorrinha!
Mas que amor de cachorrinha!

Pode haver coisa no mundo
Mais branca, mais bonitinha
Do que a tua barriguinha
Crivada de mamiquinha?
Pode haver coisa no mundo
Mais travessa, mais tontinha
Que esse amor de cachorrinha
Quando vem fazer festinha

Remexendo a traseirinha?

Vinicius de Moraes

O Pato


Lá vem o Pato
Pata aqui, pata acolá
La vem o Pato
Para ver o que é que há.

O Pato pateta
Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco

Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo

Comeu um pedaço
De jenipapo
Ficou engasgado
Com dor no papo

Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi pra panela.

Vinicius de Moraes

A Porta


Eu sou feita de madeira
Madeira, matéria morta
Mas não há coisa no mundo
Mais viva do que uma porta.

Eu abro devagarinho
Pra passar o menininho
Eu abro bem com cuidado
Pra passar o namorado

Eu abro bem prazenteira
Pra passar a cozinheira
Eu abro de sopetão
Pra passar o capitão.

Só não abro pra essa gente
Que diz (a mim bem me importa . . .)
Que se uma pessoa é burra
É burra como uma porta.

Eu sou muito inteligente!

Eu fecho a frente da casa
Fecho a frente do quartel
Fecho tudo nesse mundo
Só vivo aberta no céu!

Vinícius de Moraes

O Elefantinho


Onde vais, elefantinho
Correndo pelo caminho
Assim tão desconsolado?
Andas perdido, bichinho
Espetaste o pé no espinho
Que sentes, pobre coitado?

— Estou com um medo danado
Encontrei um passarinho!

Vinicius de Moraes

O Pingüim


Bom-dia, Pingüim
Onde vai assim
Com ar apressado?
Eu não sou malvado
Não fique assustado
Com medo de mim.
Eu só gostaria
De dar um tapinha
No seu chapéu de jaca
Ou bem de levinho
Puxar o rabinho
Da sua casaca.

Vinicius de Moraes

O Relógio


Passa, tempo, tic-tac
Tic-tac, passa, hora
Chega logo, tic-tac
Tic-tac, e vai-te embora
Passa, tempo
Bem depressa
Não atrasa
Não demora
Que já estou
Muito cansado
Já perdi
Toda a alegria
De fazer
Meu tic-tac

Dia e noite

Noite e dia

Tic-tac

Tic-tac

Tic-tac . . .

Vinicius de Moraes

O Girassol


Sempre que o sol
Pinta de anil
Todo o céu
O girassol
Fica um gentil
Carrossel.

O girassol é o carrossel das abelhas.

Pretas e vermelhas
Ali ficam elas
Brincando, fedelhas
Nas pétalas amarelas.

— Vamos brincar de carrossel, pessoal?

— "Roda, roda, carrossel
Roda, roda, rodador
Vai rodando, dando mel
Vai rodando, dando flor".

— Marimbondo não pode ir que é bicho mau!
— Besouro é muito pesado!
— Borboleta tem que fingir de borboleta na entrada!
— Dona Cigarra fica tocando seu realejo!

— "Roda, roda, carrossel
Gira, gira, girassol
Redondinho como o céu
Marelinho como o sol".

E o girassol vai girando dia afora . . .
O girassol é o carrossel das abelhas.

Vinicius de Moraes

São Francisco


Lá vai São Francisco
Pelo caminho
De pé descalço
Tão pobrezinho
Dormindo à noite
Junto ao moinho
Bebendo a água
Do ribeirinho.

Lá vai São Francisco
De pé no chão
Levando nada
No seu surrão
Dizendo ao vento
Bom-dia, amigo
Dizendo ao fogo
Saúde, irmão.

Lá vai São Francisco
Pelo caminho
Levando ao colo
Jesuscristinho
Fazendo festa
No menininho
Contando histórias
Pros passarinhos.

Vinícius de Moraes

19 de jan. de 2009

SINOS


quando estava só
nos meus vastos campos
de machucadas orquídeas
e silêncio
e à noite bebia em taças opacas
estrelas líquidas e passado
e o vento do deserto
me alcançava trazendo
o rumor dos mortos
você chegou
com vassoura de luz
varreu a casa e limpou os sinos

in Poesia Essencial, ed. Manati, 2002

Roseana Murray

PARTIDA


Hoje arrumo as flores
em cima da mesa
as frutas na memória
quero um dia bem simples
alguma luz pousada
na superfície da água

hoje chamo para mim
amorosas palavras
que vivam um dia
perto do meu coração
que corram pela casa
com sua mistura de mel e espanto

alguém parte com um ruído seco
alguém sempre está partindo

Roseana Murray

VENTO


assim me chama o vento
me despenteia os cabelos
nas teias do precipício
a vida começa hoje
começa sempre
desde o nada até a medula
todos os dias
colar os ossos
e ouvir o ruído
subterrâneo de um rio
a vida começa hoje
sempre por um fio
a alma é um pêndulo
leva as horas
de encontro
às pedras.

Roseana Murray

PAUL KLEE


Os olhos como barcos,
entro escondida
num quadro do Klee.
O céu é a rua,
e o equilibrista,
quase sem respirar,
me ensina os segredos da vida.
Sobretudo, ele me diz,
é preciso saber conservar
as pernas no ar
e manter o olhar perdido;
Carregar pedaços de lua
no pensamento e sonhar.

A vida é pura navegação
e saio do quadro
como um pássaro invisível.

in Residência no Ar, ed. Paulus, 2007

Roseana Murray

NOVELO


Com fina linha prateada
o sonhador borda a sua vida:
na fronteira entre o dia e a noite,
entre uma estrela e outra,
uma palavra e sua sombra,
ergue um castelo de vento,
desfralda as bandeiras da paz.

Roseana Murray

MULHERES ACROBATAS


Onde se esconde a nascente
dos sonhos?
Em que alta montanha
ou profundeza de abismo?
Em que curva de rio
ou espuma de onda?
Em que gaze esgarçada
ou doçura de vento?

Nas estradas batidas
por unicórnios e silêncios
os saltimbancos vão passando
rumo ao coração de cada um
com seus trapézios e luz
e mulheres acrobatas.

Roseana Murray

AVESSO


Atravessaria um rio grosso
no meio da noite
para decifrar tuas pegadas,
o rastro luminoso dos teus olhos.

Atravessaria a superfície
silenciosa dos espelhos
para ver o teu avesso.

Caminharia sobre água
e fogo
para soletrar teu corpo.

in Recados do Corpo e da Alma, ed. FTD, 2003

Roseana Murray

JANELAS


Em todas as janelas me debruço,
em todos os abismos
estendo uma corda
e caminho sobre o nada.
Também ando sobre as águas,
subo em nuvens,
galgo intermináveis escadas.
Abro todas as portas
e cavernas com um sopro
ou três palavras mágicas.
Mergulho em torvelinhos,
danço no meio do vento,
pulo dentro da tempestade.
Em cada encruzilhada me sento
e tento arrumar o destino,
estranho castelo de areia.

Roseana Murray

ATLÂNDIDA


O caminho para a Atlântida
é de terra ou de luar?
é de linho, lã ou vento
o chão que devo pisar?

Parto agora para a Atlântida,
por estradas que invento,
passo perto de Pasárgada,
cruzo fronteiras no céu
e descubro que a Atlântida
fica na esquina de mim.

Roseana Murray

VINTE E DOIS


Rente ao muro
o homem caminha.
Seu corpo encharcado
de orações
carrega um bastão sagrado.
Com seus passos costura
o oriente ao ocidente.

in Desertos, ed. Objetiva, 2006
Roseana Murray

CINCO


Percorrer o silêncio do deserto,
sua espinha dorsal
feita de murmúrios, vertigens,
caravanas, o ruminar dos camelos.

Numa noite escura
uma fonte escondida
fabrica sonhos e água.

Roseana Murray

QUINZE


Ecoa nos ares o minarete,
e dele escapa
um grito pungente,
feito pássaro que houvesse
fugido
de uma gaiola dourada.
É a hora sagrada:
todo homem tem um encontro
marcado com Deus
e mistura as orações com saliva,
como a mãe que oferece
ao filho
pedaços da sua própria comida.

Roseana Murray

FADAS E BRUXAS



Metade de mim é fada,
a outra metade é bruxa.
Uma escreve com sol,
a outra escreve com a lua.
Uma anda pelas ruas
cantarolando baixinho,
a outra caminha de noite
dando de comer à sua sombra.
Uma é séria, a outra sorri;
uma voa, a outra é pesada.
Uma sonha dormindo,
a outra sonha acordada.

in Pêra, Uva ou Maçã, ed. Scipione, 2005

Roseana Murray

PIÃO


Um pião se equilibra
na palma da mão,
no chão, na calçada,
e alado vai rodando
por cima dos telhados,
gira entre as nuvens,
cada vez mais alto,
até que num salto
alcança a lua
e rola
até o seu lado oculto.
Faz a curva o pião
e ruma para Saturno,
tropeça nos anéis,
dá três cambalhotas,
se pendura
numa estrela cadente
e, sem graça,
volta para a palma da mão.

Roseana Murray

JOGO DA VERDADE


A verdade é um labirinto.

Se digo a verdade inteira,
se digo tudo o que penso,
se digo com todas as letras,
com todos os pingos nos is,
seria um deus-nos-acuda,
entraria um sudoeste
pela janela da sala.
Então eu digo
a verdade possível,
e o resto guardo
a sete chaves
no meu cofre de silêncios.

Roseana Murray

ELFOS


Elfos comem o perfume
das flores trazido pelo
vento,
comem os mais belos
pensamentos,
e as cores do dia
que o galo faz.
Comem o canto do galo,
as melodias dos pássaros
azuis,
comem a luz que cintila
na folha cheia de orvalho.
Elfos comem a sombra da lua,
o brilho da estrela
que já não existe mais.

Poemas e Comidinhas, Ed. Paulus, 2008

Roseana Murray

COMIDA DE SEREIA


O que será que a sereia come
em seu castelo de areia?
Enquanto penteia os cabelos
a panela esquenta na cozinha:
será que a sereia come anêmonas,
ostras, cavalos-marinhos?
Ou delicados peixinhos de olhos
dourados?
Algas marinhas, lulas, sardinhas?
Polvos, mariscos, enguias,
ou será que a sereia come poesia?

Roseana Murray

MEL


Na curva da primavera,
no alto da montanha,
abelhas fabricam mel.
zumbem, dançam, rodopiam,
cantam para as flores
o azul do dia.

Roseana Murray

TRANSFORMAÇÃO


Fabrico uma árvore
com uma simples semente,
terra escura e quieta,
umas gotas de água.

Pouco a pouco,
de lua em lua,
de folha em folha,
enquanto o tempo
desenha arabescos
em meu rosto,
minha árvore se transforma
em poema vivo,
suas letras são flores,
são frutos, são música

Roseana Murray

CAIXINHA MÁGICA


Fabrico uma caixa mágica
para guardar o que não cabe
em nenhum lugar:
a minha sombra
em dias de muito sol,
o amarelo que sobra
do girassol,
um suspiro de beija-flor,
invisíveis lágrimas de amor.

Fabrico a caixa com vento,
palavras e desequilíbrio,
e para fechá-la
com tudo o que leva dentro,
basta uma gota de tempo.

O que é que você quer
esconder na minha caixa?

Roseana Murray

A Arca de Noé


Sete em cores, de repente
O arco-íris se desata
Na água límpida e contente
Do ribeirinho da mata.
O sol, ao véu transparente
Da chuva de ouro e de prata
Resplandece resplendente
No céu, no chão, na cascata.

E abre-se a porta da Arca
De par em par: surgem francas
A alegria e as barbas brancas
Do prudente patriarca

Noé, o inventor da uva
E que, por justo e temente
Jeová, clementemente
Salvou da praga da chuva.

Tão verde se alteia a serra
Pelas planuras vizinhas
Que diz Noé: "Boa terra
Para plantar minhas vinhas!"

E sai levando a família
A ver; enquanto, em bonança
Colorida maravilha
Brilha o arco da aliança.

Ora vai, na porta aberta
De repente, vacilante
Surge lenta, longa e incerta
Uma tromba de elefante.

E logo após, no buraco
De uma janela, aparece
Uma cara de macaco
Que espia e desaparece.

Enquanto, entre as altas vigas
Das janelinhas do sótão
Duas girafas amigas
De fora a cabeça botam.

Grita uma arara, e se escuta
De dentro um miado e um zurro
Late um cachorro em disputa
Com um gato, escouceia um burro.

A Arca desconjuntada
Parece que vai ruir
Aos pulos da bicharada
Toda querendo sair.
Vai! Não vai! Quem vai primeiro?
As aves, por mais espertas
Saem voando ligeiro
Pelas janelas abertas.

Enquanto, em grande atropelo
Junto à porta de saída
Lutam os bichos de pelo
Pela terra prometida.

"Os bosques são todos meus!"
Ruge soberbo o leão
"Também sou filho de Deus!"
Um protesta; e o tigre — "Não!"

Afinal, e não sem custo
Em longa fila, aos casais
Uns com raiva, outros com susto
Vão saindo os animais.

Os maiores vêm à frente
Trazendo a cabeça erguida
E os fracos, humildemente
Vêm atrás, como na vida.

Conduzidos por Noé
Ei-los em terra benquista
Que passam, passam até
Onde a vista não avista

Na serra o arco-íris se esvai . . .
E . . . desde que houve essa história
Quando o véu da noite cai
Na terra, e os astros em glória

Enchem o céu de seus caprichos
É doce ouvir na calada
A fala mansa dos bichos
Na terra repovoada.

Vinícius de Moraes

LEÃO


Leão! Leão! Leão!
Rugindo como um trovão
Deu um pulo, e era uma vez
Um cabritinho montês.
Leão! Leão! Leão!
És o rei da criação!

Tua goela é uma fornalha
Teu salto, uma labareda
Tua garra, uma navalha
Cortando a presa na queda.

Leão longe, leão perto
Nas areias do deserto.
Leão alto, sobranceiro
Junto do despenhadeiro.
Leão na caça diurna
Saindo a correr da furna.
Leão! Leão! Leão!
Foi Deus que te fez ou não?

O salto do tigre é rápido
Como o raio; mas não há
Tigre no mundo que escape
Do salto que o Leão dá.
Não conheço quem defronte
O feroz rinoceronte.
Pois bem, se ele vê o Leão
Foge como um furacão.

Leão se esgueirando, à espera
Da passagem de outra fera...
Vem o tigre; como um dardo
Cai-lhe em cima o leopardo
E enquanto brigam, tranqüilo
O leão fica olhando aquilo.
Quando se cansam, o Leão
Mata um com cada mão.

Leão! Leão! Leão!
És o rei da criação!

Vinícius de Moraes

O casamento da Malhada


No casamento da Malhada
veio toda a bicharada
que mora lá na roça.
Vou contar sem muita prosa
como foi essa festança...

Teve música caipira,
cantoria de viola,
foguetório, busca-pé
e muito arrasta-pé...

Tinha uma enorme fogueira
que em brasas se ardia
crepitando a noite inteira
até o raiar do dia.

Enquanto rolava a dança,
a bicharada da roça
enchia também a pança...
Nossa, que comilança!
Chego a ficar enjoada!

No casamento da Malhada
tinha milho e coalhada,
tinha pipoca e paçoca
feita de amendoim,
tinha também aipim
(que é o mesmo que mandioca).
O bolo confeitado
foi o doce mais provado
por todos os convidados.

Para acompanhar a comida
foi servida a bebida:
quentão de gengibre e canela,
vinho quente, aguardente,
suco e refrigerante
para crias e donzelas.
Para os filhotes lactentes
não faltou o sagrado leite!

Depois que se divertiram,
os bichos se enfileiraram
em torno do arraial
para cumprimentar o casal.
Na frente estava a boiada
seguida dos outros quadrúpedes,
depois vinham os bípedes,
anfíbios e animais domésticos;
sobrevoando a bicharada
estavam as aves e insetos.
No final desse cortejo
se via os animais do brejo.

Essa história envolvente
de um casamento rural
entre o touro Cintilante
e a vaca de nome Malhada,
sucedeu lá no curral
da Fazenda Aritana
numa noite enluarada.
Foi tudo muito bacana!

Valéria Aparecida Tarelho

17 de jan. de 2009

Centopéia


A centopéia foi às compras
toda cheia de pompa!

Chegando à boutique
encontrou dona aranha,
uma moça muito chique
mas também cheia de tato.
As duas eram distintas
justamente por este fato:
uma é pobre e esnobe,
só pensa no seu bem-estar;
a outra, embora rica,
é gentil e caridosa.

Para mostrar que podia
e que tinha fino-trato,
a centopéia, afoita,
a tudo consumia:

100 sapatos de salto alto
e uma finíssima estola
para ir a um baile de gala

50 pares de tênis
e uma malha apropriada
para fazer caminhada

100 botas de cano
e uma jaqueta de couro
para as noites de inverno

E assim seguiu pedindo,
crente que estava abafando
E quanto mais comprava,
mais endividada ficava...

Dona aranha comprou apenas
4 pares de luvas,
uma para cada pata,
e se deu por satisfeita,
enquanto que a centopéia,
que comprou tanto calçado,
um para cada ocasião,
ficou contrariada
e com uma inveja danada
porque não tinha mãos.

Moral da estória:

Mais vale uma mão para estender ao próximo,
que cem pés que não levam a lugar algum.

Valéria Aparecida Tarelho

Coelho Carlito


O coelho Carlito
quer um conselho:
Coloca o chapeú vermelho
ou sua cartola velha,
aquela feita de palha?

Carlito sentia
frio nas orelhas
por causa do orvalho.
Olhou-se no espelho
e decidiu
num piscar de olhos:
Iria vestir um gorro de malha
e um agasalho!

Lá vai Carlito
cantarolando
para o trabalho
com muito orgulho.
No fim da tarde,
irá passear com seu filho
e com a Dona Coelha.

Ah! Como está bonito
o coelho Carlito!

Valéria Aparecida Tarelho

Dona Joaninha e Dona Baratinha


A casa da Joaninha
fica bem vizinha à minha.
Vou lhe fazer uma visita
porque moramos bem pertinho.

Toc, toc, toc
(Bato à porta
porque não tem campainha).
"— Aqui é sua vizinha
Dona Baratinha,
vim fazer suas unhas!"
Ela responde enfadonha:
"— Pode entrar, estou no banho!
Falta secar minhas asinhas!
Espere só um minutinho."

"— Não tenha pressa - eu replico -
vou esperar na cozinha
que é meu local preferido."
E fiquei ali sozinha,
comendo um pedaço de sonho
e assistindo desenho.
Acabou me dando um soniiiinhooozzzzzzzzzzzzzzzzzzzz

Valéria Aparecida Tarelho

A Tartaruga Teresa


Quem vem lá toda morosa
carregando a casa nas costas?
Quem fica toda prosa
com seu casco de mosaico?
Quem está sempre atrasada
se arrastando preguiçosa?
Que vem vestida de noiva,
com aquele desalento?
É a Tartaruga Teresa!
Mesmo sem trânsito,
ela se atrasou
para o próprio casamento
e encontrou a igreja vazia!

Valéria Aparecida Tarelho

16 de jan. de 2009

A mãe leoa


Ela é valente
Enfrenta todo mundo
Mesmo seu marido, o leão,
até ele, de vez em quando ... leva um carão!

Ela é caçadora ardilosa
Não deixa presa fugir
Nem mesmo dos seus olhos sair.
Rápida e astuta
Ela é mesmo “batuta”

Se os filhotes põem-se a brincar
Fica a todo instante a os observar
Porque mesmo sendo leoa,
E temida por todos os outros bichos...
Pode um “espertinho” os pegar...

Rosy Beltrão

A Boneca


Que boneca tão bonita
Aquela que ontem ganhei!
Pus-lhe um vestido de chita,
Que eu mesma fiz e cortei.

Seu cabelinho é tão louro
Como cabelo de milho.
Minha boneca é um tesouro,
Tem sapatos e espartilho!

Vou lhe fazer uma cama,
Vou lhe bordar um lençol,
Para tão mimosa dama
Farei fronhas de molmol.

Depois, para o batizado,
Hei de arranjar uma festa:
Um altar muito enfeitado,
Em meio de uma floresta...

Convidarei as amigas
Com quem costumo brincar,
E muito lindas cantigas
Hei de com elas cantar.

Há de haver presunto e bala,
Sorvete para a madrinha,
E desse dia de gala
Minha boneca é a rainha!

Presciliana Duarte de Almeida

Pra fazer neném dormir


Pisca-piscas de luzes
Pirilâmpadas
Vão giragirando
As cores que os olhos vêem
No dindóm que vai e que vem.

Sai pulando pulapula pelo ar
Bolas balões e aviões
De um até 10
Mãos e pés
De 11 até 20
Canta que sou seu ouvinte.

Não estou aí nem lelé
Estou cum jacaré
Pegando raios em nuvens
Pra tirar medos e dores
Como quando mamãe cura dodóis
Sapecando mil beijinhos
No nariz e no rostinho
E o papai conta historinha
Que você escuta todinha
Até dormir os nenéns
O sapinho e a fadinha.

Onna Agaia

O Pássaro Cativo


Armas, num galho de árvore, o alçapão;
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão.

Dás-lhe então, por esplêndida morada,
A gaiola dourada;
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo:
Porque é que, tendo tudo, há de ficar
O passarinho mudo,
Arrepiado e triste, sem cantar?

É que, criança, os pássaros não falam.
Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens os possam entender;
Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:

“Não quero o teu alpiste!
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que a voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro
Da selva em que nasci;
Da mata entre os verdores,
Tenho frutos e flores,
Sem precisar de ti!
Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola
De haver perdido aquilo que perdi ...
Prefiro o ninho humilde, construído
De folhas secas, plácido, e escondido
Entre os galhos das árvores amigas ...
Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?
Quero saudar as pompas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas!
Por que me prendes? Solta-me covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade:
Não me roubes a minha liberdade ...
Quero voar! voar! ... “

Estas cousas o pássaro diria,
Se pudesse falar.
E a tua alma, criança, tremeria,
Vendo tanta aflição:
E a tua mão tremendo, lhe abriria
A porta da prisão...

Olavo Bilac

As formigas


Cautelosas e prudentes,
O caminho atravessando,
As formigas diligentes
Vão andando, vão andando...

Marcham em filas cerradas;
Não se separam; espiam
De um lado e de outro, assustadas,
E das pedras se desviam.

Entre os calhaus vão abrindo
Caminho estreito e seguro,
Aqui, ladeiras subindo,
Acolá, galgando um muro.

Esta carrega a migalha;
Outra, com passo discreto,
Leva um pedaço de palha;
Outra, uma pata de inseto.

Carrega cada formiga
Aquilo que achou na estrada;
E nenhuma se fatiga,
Nenhuma para cansada.

Vede! enquanto negligentes
Estão as cigarras cantando,
Vão as formigas prudentes
Trabalhando e armazenando.

Também quando chega o frio,
E todo o fruto consome,
A formiga, que no estio
Trabalha, não sofre fome...

Recorde-vos todo o dia
Das lições da Natureza:
O trabalho e a economia
São as bases da riqueza

Olavo Bilac