16 de jan. de 2009

A FORMÍGRAFA


Formigavam as formigas
de um buraquinho no chão
todas muito direitinhas
numa fila perfilada
que contornava o torrão.
Eis senão quando uma delas,
sem motivo, nem razão,
deu dois passos de guinada
e mudou de direcção.

Foi a fila para um lado
e a formiga dissidente
para outro bem diferente.

E assim, sem companhia,
num andar desassombrado,
caminhou até achar
o abrigo de um telhado.

Devagar, mas persistente,
galgou, cansada, um degrau,
marinhou por um sobrado,
contornou uma cadeira,
subiu a perna da mesa
e pousou sobre um papel
onde havia quatro versos
que a prenderam como mel.

Era ali que queria estar
e acabar o seu dia
entre as curvas dançarinas
das letrinhas elegantes.

Queria ser caligrafia.

Pensou ,talvez, ser acento.

Mas um grave, nem pensar.
e agudo muito menos...
Não suportava a tortura.
De tanto se inclinar
ficava numa tontura.

Com um jeito de coluna
podia ser circunflexo.
Mas a torção era um excesso!

Podia, se bem quisesse
pôr um ar mais donairoso,
ser um til bem saboroso...

E deitada, bem esticada
tornava-se travessão...

Mas não gostava de nada.
Não achava a vocação.

Foi então, desanimada,
que parou no fim da linha,
encolheu-se, redondinha,
a sentir-se uma falhada.

E assim adormeceu.

Vai daí chega o poeta
que fora dar um passeio
a espairecer a cabeça
do desespero de ter
um poema em formação
e não saber que escrever
para lhe dar conclusão.

Olha então para o papel
e solta um grito espantado!
O poema interrompido,
vai-se a ver, estava acabado.

Abriu um olho a formiga
e, espertinha, percebeu.

Satisfeita, regalada,
ainda mais se encolheu.

Estava agora consolada.
Tinha um destino, afinal.

Ia ser ponto final.

Margarida Ribeiro

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