23 de dez. de 2009

CORRENTE DE FORMIGUINHAS


Caminho de formiguinhas
fiozinho de caminho.
Caminho de lá vai um,
atrás de uma lá vai outra.
Uma duas argolinhas,
corrente de formiguinhas.

Corrente de formiguinhas,
centenas de pontos pretos,
cabecinhas de alfinete
rezando contas de terço.
Nas costas das formiguinhas
de cinturinhas fininhas
Pesam grandes folhas mortas
que oscilam a cada passo.
Nas costas das formiguinhas
que lá vão subindo o morro
igual ao morro da igreja,
folhas mortas são andores
nesta Procissão dos Passos.

Henriqueta Lisboa

BEIJA-FLOR


Beija-flor pequenininho
que beija a flor com carinho
me dá um pouco de amor,
que hoje estou sozinho...
Beija-flor pequenininho,
é certo que não sou flor,
mas eu quero um beijinho
que hoje estou tão sozinho...

XARÁ


Meu xarapa, xarapim
o teu nome dá pra mim.
Tocaio, xero, xará
o meu xerox será.

Xe rera
em guarani
"meu nome"
dou para ti.

Xero, xarapa, xará
teu nome se chamará
meu ouvido escutará.

Como é bom ter um xará
meu próprio nome chamar
o outro que sou eu mesmo
é tão difícil de achar!

Dilan Camargo

A ARTEIRA E A ARTE


Mamãe me empresta tua bolsa
teu colar e teus sapatos
depois me passa batom
que vou tirar um retrato.

Deixa eu me olhar no espelho
deixa só por um instante.
Quero batom mais vermelho
quero um colar mais brilhante.

A sala é uma passarela
requebro e faço proeza
sou artista de novela
a rainha da beleza.

Será que o sonho termina
quando desço dos sapatos?
Será que baixa a cortina
quando chega ao fim o ato?

Dilan Camargo

21 de dez. de 2009

A BAILARINA


Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.

Não conhece nem mi nem fá
mas inclin o corpo para cá e para lá.

Não conhece nem lá nem si,
mas fecha os olhos e sorri.

Roda, roda, roda com os bracinhos no ar
e não fica tonta nem sai do lugar.

Põe no cabelo uma estrela e um véu
e diz que caiu do céu.

Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas as danças,
e também quer dormir como as outras crianças.

Cecília Meireles

TANTA TINTA


Ah! menina tonta,
toda suja de tinta
mal o sol desponta!

(Sentou-se na ponte,
muito desatenta...
E agora se espanta:
Quem é que a ponte pinta
com tanta tinta?...)

A ponte aponta
e se desaponta,
A tontinha tenta
limpar a tinta,
ponto por ponto
e pinta por pinta...

Ah! a menina tonta!
Não viu a tinta da ponte!

Cecília Meireles

JOGO DE BOLA


A bela bola
rola:
a bela bola do Raul.

Bola amarela,
a da Arabela.

A do Raul,
azul.

Rola a amarela
e pula a azul.

A bola é mole,
é mole e rola.

A bola é bela,
é bela e pula.

É bela, rola e pula,
é mole, amarela, azul.

A de Raul é de Arabela,
e a de Arabela é de Raul.

Cecília Meireles

CAVALINHO BRANCO


À tarde, o cavalinho branco
está muito cansado:

mas há um pedacinho de campo
onde é sempre feriado.

O cavalo sacode a crina
loura e comprida

e nas verdes ervas atira
sua branca vida.

Seu relincho estremece as raízes
e ele ensina aos ventos

a alegria de sentir livres
seus movimentos.

Trabalhou todo o dia tanto!
desde a madrugada!

Descansa entre as flores, cavalinho branco,
de crina dourada!

Cecília Meireles

MODA DA MENINA TROMBUDA


É a moda
da menina trombuda
da menina trombuda
que muda de modos
e dá medo.

(A menina mimada!)

É a moda
da menina muda
que muda
de modos
e já não é trombuda.

(A menina amada!)

Cecília Meireles

COLAR DE CAROLINA


Com seu colar de coral,
Carolina
corre por entre as colunas
da colina.

O colar de Carolina
colore o colo de cal,
torna corada a menina.

E o sol, vendo aquela cor
do colar de Carolina,
põe coroas de coral

nas colunas da colina.

Cecília Meireles

RECEITA DE OLHAR


Nas primeiras horas da manhã
desamarre o olhar
deixe que se derrame
sobre todas as coisas belas
o mundo é sempre novo
e a terra dança e acorda
em acordes de sol

faça do seu olhar imensa caravelas

Roseana Murray

RECEITA PARA ESPANTAR A TRISTEZA


Faça uma careta
e mande a tristeza
pra longe pro outro lado
do mar ou da lua

vá para o meio da rua
e plante bananeira
faça alguma besteira

depois estique os braços
apanhe a primeira estrela
e procure o melhor amigo
para um longo e apertado abraço

Roseana Murray

RECEITA DE PÃO


É uma coisa muito antiga
o ofício do pão
primeiro misture o fermento
com água morna e açúcar
e deixa crescer ao sol

depois numa vasilha
derrame a farinha e o sal
óleo de girassol manjericão

adicionado o fermento
vá dando o ponto com calma
água morna e farinha

mas o pão tem seus mistérios
na sua feitura há que entrar
um pouco da alma do que é etéreo

então estique a massa
enrole numa trança
e deixe que descanse
que o tempo faça a sua dança

asse em forno forte
até que o perfume do pão
se espalhe pela casa e pela vida

Roseana Murray

RECEITA DE OLHAR O FOGO


Pula o fogo e dança
nos olhos
uma dança muito antiga

de rios caçadas cavernas
estrelas entrelaçadas

no fogo os pensamentos
se derramam
e os sonhos como poeira mágica

Roseana Murray

20 de dez. de 2009

RECEITA PARA TOCAR O OUTRO


Porteira aberta
para o universo
cada um é único
lugar sagrado
onde árvores antigas
e estrelas cantam

tocar o outro
em sua alma
como se fosse
uma flauta.

Roseana Murray

RECEITA DE INVENTAR PRESENTES


Colher braçadas de flores
bambus folhas e ventos
e as sete cores do arco-íris
quando pousam no horizonte
juntar tudo por um instante
num caldeirão de magia
e então inventar um pássaro louco
um novo passo de dança
uma caixa de poesia.

Roseana Murray

RECEITA DE ACORDAR PALAVRAS


Palavras são como estrelas
facas ou flores
elas têm raízes pétalas espinhos
são lisas ásperas leves ou densas
para acordá-las basta um sopro
em sua alma
e como pássaros
vão encontrar seu caminho.

Roseana Murray

RECEITA CONTRA DOR DE AMOR


Chore um mar inteiro
com todos os seus barcos a vela
chore o céu e suas estrelas
os seus mistérios o seu silêncio
chore um equilibrista caminhando
sobre a face do poema
chore o sol e a lua
a chuva e o vento

para que uma nova semente
entre pela janela adentro.

Roseana Murray

O PESCADOR


Os sonhos do pescador
são feitos de espuma, de sal,
de muitos milhares de peixes
como feixes de girassol.

Na rede do pescador
pedaços de luz e de prata,
seus sonhos materializados.

Em terra firme o pescador
é habitante provisório,
anda meio de lado,
cheio de silêncios marinhos,
suas mãos de alga.

Roseana Murray

A bailarina


A bailarina,
como frágil lamparina,
como pequeno colar,
faz do ar sua casa,
sua estrada pontilhada
de água.

Entre uma estrela e outra
a bailarina descansa.
Ali onde os humanos
não podem ir,
só os loucos, os loucos
e os que sabem
que com um desejo
se constrói um planeta.

Roseana Murray

O lambe-lambe


O lambe-lambe
lambe o tempo
(como se o tempo fosse
uma bala, um doce)
e vai pregando seus retratos.

No canto da praça
um velho, um menino,
lado a lado
o mesmo desbotado sorriso.

Atrás do panp preto
o lambe-lambe
e seus misteriosos pensamentos:
onde foi foi parar a moça
que ele fotografou um dia?
A moça rasgou seu coração
como uma velha fotografia
e partiu junto com o vento.

Num canto da praça
o lambe-lambe
e sua estranha galeria.

Roseana Murray

Todas as crianças da Terra


Um capacete de guerra tem um ar carrancudo
Muito mais bela é uma flor
Uma flor tem tudo
para falar de paz e de amor.

Mas se virarmos o capacete de guerra
ele será um vaso, e é bem capaz
de ter uma flor num pouco de terra
e falar de amor e de paz.

A paz é uma pomba que voa.
É um casal de namorados,
São os pardais de Lisboa
que fazem ninho nos telhados.

E é o riacho de mansinho
que saltita nas pedras morenas
e toda a calma do caminho
com árvores altas e serenas.

A paz é o livro que ensina.
É uma vela em alto mar
e é o cabelo da o menina
que o vento conseguiu soltar.

E é o trabalho, o pão, a mesa,
a seara de trigo, ou de milho,
e perto da lâmpada acesa
a mãe que embala o seu filho.

A paz é quando um canhão
muito feio e de poucas falas
sente bater um coração
e dispara cravos, em vez de balas.

E é o braço que dás
no dia em que tu partires,
e as gotas de chuvas da paz
no balanço do arco-íris.

É luar de lua cheia
tocando as casas e a rua,
são conchas, búzios na areia,
a paz é minha e é tua.

É o povo todo unido
no mundo, de norte a sul,
e é um balão colorido
subindo no céu azul.

A paz é o oposto da guerra,
é o sol, são as madragudas,
e todas as crianças da terra
de mãos dadas, de mãos dadas,
de mãos dadas.

(Sidónio Muralha)